“Sou precisamente um escritor que
cultiva a ideia antiga, porém sempre moderna, de que o som e o sentido de uma
palavra pertencem um ao outro. Vão juntos. A música da língua deve expressar o
que a lógica da língua obriga a crer”, afirmou João Guimarães Rosa ao crítico alemão Gunter Lorenz (1983, p. 88).
A confissão de Rosa evidencia como o escritor pensava (e sentia) a
tensão dinâmica que rege a musicalidade das palavras. Musicalidade? Todos os significados dessa palavra apresentados pelo Dicionário
Houaiss – “caráter, qualidade ou estado do que é musical”; “talento ou
sensibilidade para criar ou executar música”; “sensibilidade para apreciar
música; conhecimento musical”; “expressão do talento musical de alguém”; e
“cadência harmoniosa; ritmo” (Houaiss, 2001) – se mostram oportunos para
motivar uma leitura original da obra rosiana.
Música, corpo e evento
sonoro, é o que se faz no encontro de ser e tempo. Já a musicalidade pode ser
vista como anterior à música. Uma potência que propicia ao homem fazer música.
Nesse sentido é que discorrer sobre a musicalidade na literatura é o mesmo que
falar do que envolve não só o escritor na consecução de sua obra mas também o
leitor ao se deparar com o texto. O que determinaria o grau de musicalidade de um texto? Seria correto
afirmar que todos os textos contêm musicalidade e que alguns são mais aptos ao
leitor fazer de sua leitura uma experiência musical?
A prosa do Corpo de Baile,
obra publicada em 1956 (no mesmo ano de Grande Sertão: Veredas), ao
encontrar-se tão próxima da poesia em sua essência e origem, contém uma
disposição musical que transparece e faz soar sentidos inauditos. Quase
desnecessário afirmar que é preciso gostar para lhe dar um acolhimento amoroso.
Gostar, verbo que vem da mesma raiz do grego geúo, quer dizer provar ou
experimentar. Ler em voz alta ou silenciosamente. Experimentar a tríade que
envolve o leitor, a leitura e o ato de ler. Musicar a obra literária na medida
em que o ritmo da leitura venha trazer inevitáveis sugestões melódicas e
harmônicas. Aproximar-se da sonoridade de cada palavra.
O encadeamento, a abertura das
vogais e a alternância consonantal, são elementos que têm como
propriedade dar ao leitor a musicalidade do texto. No entanto, a obra de Rosa
oferece mais. Faz vibrar a celebração poética dos sons constituídos nas
palavras. Sons que prescindem da apreensão representacional do mundo. Palavras
que confluem “na alegria de tudo, como quando tudo era falante, no inteiro dos
campos-gerais...” (Rosa, 1965, p. 67). Poética no transe de sua sagração
sonora, onde o nome e a coisa nomeada se fundem. Unificam-se concomitantemente
no mesmo destino cósmico a presença e o som.
Dirce Riedel, na pioneira investigação em torno da musicalidade da obra de Guimarães
Rosa, escreveu em 1962 uma tese chamada O Mundo Sonoro de Guimarães Rosa.
Seu maior mérito foi levantar questões sobre a importância do reconhecimento de
um operar musical na escrita de Rosa. A autora, na introdução de seu texto,
observou no escritor uma disposição para “para se deter diante das coisas,
colocando-se dentro delas” (1962, p. I). Ao tocar na questão da
“multiplicidade dos ruídos do sertão” (1962, p. 48), Riedel evocou a
relação ordenadora que une o evento ruidoso e a música. A obra de Guimarães
Rosa, sendo um cosmo ordenado, absorve o ruído e o faz soar como música? O que
é o ruído? Seria a “submúsica” (1969, p. 84) mencionada por Rosa em Buriti?
Diz a autora que “as imagens suscitadas pelos ruídos ambientes constroem o
fundo permanente na narrativa, sustentando a atmosfera sonora do sertão”
(1962, p. 72). José Miguel Wisnik, em O Som e o Sentido,
afirma que a noção de ruído varia de acordo com o contexto em que este ocorre.
As teorias da informação, que lidam com categorias como mensagem, sinal,
emissão e recepção, por sua vez, veem o ruído como um elemento desordenador. Se
tomado pela ótica da instrumentalidade, é exemplo de uma interferência
indesejável, algo que impede o fluxo da comunicação. A arte musical, que o
recalcou durante séculos, tornou a acolhê-lo no século XX.
Há na essência do ruído uma
duplicidade. Ela sugere o trânsito entre a deformidade caótica e a ordem
cósmica. “O jogo entre som e ruído constitui a música. O som do mundo é ruído,
o mundo se apresenta para nós a todo momento através de frequências irregulares
e caóticas com as quais a música trabalha para extrair-lhes uma ordenação”
(2000, p. 30), afirma Wisnik. O reconhecimento de uma ordem entre os
ruídos do mundo é a base constitutiva para a formação das sociedades. No mundo
arcaico, onde se assumia a constante luta com as forças caóticas, foi sempre a
experiência do sagrado que regeu a possibilidade de uma ordenação cósmica.
Observa-se que, nos povos da Antiguidade, a música, ao desafiar o caos, se
impunha como matriz constituinte de suas cosmogonias. Daí pode-se afirmar, ao
inverter a frase, que todas as cosmogonias originárias são fundadas pela
música. Wisnik aponta que, através da indiferenciação da dor e da alegria na
música que é tida como primitiva, o ruído se mostra indivisível em sua
musicalidade. Na captação telúrica dos sons – irradiadores de elementares fluxos
de energia – é que nasce a força geradora da ordem do mundo, ordem fundada nos
rituais sagrados em que os sons se metamorfoseiam nas vozes das deidades.
Apoiando-se no pensamento do
musicólogo Marius Schneider, Wisnik relembra os mitos da concepção do mundo e
observa que neles está sempre embutida uma voz primordial: “O deus profere o
mundo através do sopro ou do trovão, da chuva ou do vento, do sino ou da
flauta, ou da oralidade em todas as suas possibilidades (sussurro, balbucio,
espirro, grito, gemido, soluço, vômito)” (2000, p. 34). As emanações
sonoras originárias vêm sempre de um vazio, um nada, um não-ser inominável.
Citado por Wisnik, Schneider afirma que esse principiar é como “um fundo de
ressonância, e o som que dele emana deve ser considerado a primeira força
criadora, personificada na maior parte das mitologias por deuses-cantores”
(apud Wisnik, 2000, p. 34).
Octavio Paz, ao lembrar que toda
criação humana está fundada no ritmo, escreveu: “Todas as concepções
cosmológicas do homem brotam da intuição de um ritmo original” (1982, p.
72). Segundo o escritor, o tempo é encarnado pelo verbo e se mostra nas realizações
humanas, regidas poeticamente. “A frase poética é tempo vivo, concreto – é
ritmo, tempo original, perpetuamente se recriando. Contínuo renascer e tornar a
morrer e renascer de novo” (1982, p. 80-81), afirmou. O ritmo,
elemento primordial da música, perpassa e engendra toda e qualquer produção
poética. Para Paz, o poeta é um mago que, por intermédio do ritmo, encanta a
linguagem. Escreveu ele: “no fundo de todo fenômeno verbal há um ritmo. As
palavras se juntam e se separam atendendo a certos princípios rítmicos. Se a
linguagem é um contínuo vaivém de frases e associações verbais regido por um
ritmo secreto, a reprodução desse ritmo nos dará poder sobre as palavras” (1982, p. 64).
Em toda a narrativa do Corpo
de Baile vê-se o entrelaçamento rítmico de sons, sejam musicais ou
ruidosos. No percurso do conto "O Recado do Morro", além da teia de diálogos
entre os personagens principais e periféricos, da canção de Laudelim Pulgapé e
dos sons musicais emitidos pelos homens em torno da preparação de seus
festejos, acontecem em simultaneidade diversos sons da natureza em sua dinâmica
movente. O conto de Rosa, afora a trama de vida e morte protagonizada por Pedro
Orósio e cantada por Laudelim Pulgapé, possui variados elementos sonoros que ecoam
livremente, criando uma atmosfera própria que envolve os personagens. Esses
elementos evidenciam ainda mais que na obra rosiana há um parentesco vital
entre a arte de contar histórias e a arte musical. O escritor, além disso,
articula uma armação sinfônica peculiar que dialoga com o universo humano da
narrativa. Os sons são constituintes de um operar musical da obra em que seu
cantador, Laudelim Pulgapé, é o principal solista.
Atuando junto à narração como
contraponto ou efeitos, não faltam simples exemplos dessas sonoridades. Há sons
como as “redondas chuvas ácidas, de grande diâmetro, chuvas cavadoras,
recalcantes, que caem fumegando com vapor e empurram enxurradas mãos de rios,
se engolfam descendo por fios de furnas, antros e grotas, com tardo gôrgolo
musical” (1965, p. 6). Há também a passarada, os papagaios que gritam, o
gavião que gutura, “os sofrês cantando claro em bando nas palmas da palmeira”
(1965, p. 9) e “o pipio seriado da codorna” (1965, p. 36). “Da
gameleira o passarim, superlim. E, longe, piava outro passarinho – um sem nome
que se saiba – o que canta a toda hora do dia, nas árvores do ribeirão: – ‘Toma-a-benção-ao-seu-ti-í-o,
João!...’” (1965, p. 22). Neste trecho, especificamente, a articulação de
sentido do canto dessa ave rara e anônima segue o mesmo processo de composição
que nomeou um pássaro bem conhecido, o conhecidíssimo bem-te-vi. Poder que
preside toda criação poética, o de acasalar som e palavra.
O Dicionário Grove de
Música relata que, originariamente, para a produção de efeitos melódicos
na voz ou em instrumentos musicais, o modelo imitativo era “o canto dos
pássaros e outros sons animais, bem como o choro e as brincadeiras infantis”
(Sadie, 1994, p. 592). Na escrita de Rosa, a melodia da palavra pode ser tanto
ouvida em sons involuntários como o “bilo-bilo” (1965, p. 7) do
riachinho, motivo recorrente em sua obra, quanto nos sons produzidos pelo
homem, donde se ouve “um carro-de-bois, cantando muito bonito, grosso – devia
de estar com a roda bem apertada” (1965, p. 36). Melodia que também se
encontra no som dos aboios, ouvido pela vaqueirama: “O gado entendia, punha orelhas
para o aboio, olhavam, às vezes hesitavam” (1965, p. 147). E na música
propriamente dita, mesmo que na entonação estranha de Seo Alquiste e Frei
Sinfrão, que juntos “cantavam cantigas com rompante, na língua de outras
terras, que não se entendia” (1965, p. 25).
A escrita de Rosa é a escuta de
uma complexa paisagem sonora. Há nas suas palavras uma gama de sons que se
encontra em uma cadência musical espontânea. A ordem dos sons acontece como uma
cosmofonia, um formar-se sonoro que se apresenta aos sentidos do leitor. A ação na obra de Rosa se dá em
grande parte fundada como oralidade. Rosa permanece atado ao relato e à
preservação do verbo ancestral. Sua prosa poética tem fortes raízes na música trabalhada
pelos poetas e cantadores do sertão. O mundo se faz mundo através de sua
musicalidade. Guimarães Rosa é um escritor que presta especial homenagem à
fecundidade do mundo auditivo.
No conto "O Recado do Morro",
a arte musical de Laudelim Pulgapé e o evento da festa contribuem lado a lado para
compor seu universo sonoro. Rosa traz para o interior de sua narrativa uma
série de elementos da cultura popular, situando-os no contexto em que os
personagens se movem. Festa, que é nome de uma das nove musas da Teogonia, de
Hesíodo, no Corpo de Baile é um evento que demarca a ação do tempo em "O Recado do Morro", sendo também o eixo da narrativa de "Uma estória de amor" e
a apoteose teatral que envolve os personagens de "A estória de Lélio e Lina". Alegria
da palavra! (1965, p. 42). A festinha a ser realizada domingo no
Azevre rendia preparações. Via-se “nas cafuas, perto das estradas, em casas
quase de cada negro se ensaiava, tocando caixas, com grande ribombo” (1965, p. 43), “era aquele guararape brabo: rufando as caixas, baqueando na
zabumba” (1965, p. 50). “Os dos ranchos: os moçambiqueiros, de penacho e
com balainhos e guizos prendidos nas pernas; grupos congos em cetim branco e
faixa, só faltando os mais adornos; e a rapaziada nova, com uniforme da guarda-marinheira”
(1965, p. 50). Luís da Câmara Cascudo, para descrever os ranchos, citou
as palavras do também etnólogo Nina Rodrigues: “O Rancho prima pela variedade
de vestimentas vistosas, ouropéis e lantejoulas, a sua música é o violão, a
viola, o cavaquinho, o ganzá, o prato e às vezes uma flauta; cantam os seus
pastores e pastoras, por toda a rua, chulas próprias da ocasião” (apud Cascudo,
1972, p. 767). Havia no Azevre o pessoal do Mascamole e do Tu, “chefes,
tribuzando no tambor: tarapatão, tarapatão, barabão, barabão!...” (1965,
p. 51). Também, em festa, na narrativa rosiana “vinham passando uns vinte
sujeitos, todos compostos nos trajes brancos e com os capacetes – era a Guarda
Marinheira – amanhã haviam de dançar e cantar, rendendo todas as cortesias à
Nossa Senhora do Pretos” (1965, p. 56).
Por sua vez, no conto "Cara-de-Bronze" são
muitos os diálogos entre os personagens. Centrado na poesia, o enredo convive
com uma musicalidade peculiar. Enquanto da varanda da casa se ouve o cantador
João Fulano, entretido no toque de sua viola e na elaboração precisa de seus
versos, ali perto, nos arredores da fazenda do velho Cara-de-Bronze, ecoam sons
como os latidos dos “cães imemoriais” (1965, p. 97). A escuta recai ao
fundo, onde se dão os aboios e os gritos dos vaqueiros nas apartações do gado e
as chuvas seguidas de intensos trovões, tão pertinentes nessas terras.
“Chuvisca, com rumorejo de fritura. Soam sempre os berrantes, seu uuu
trestreme” (1965, p. 91), comenta o narrador. “Touros, de curral para
curral, arruam o berro tossido, de u-hu-hã, de desafio” (1965, p. 92), e
realçam o som em off do roteiro cinematográfico em que a narrativa se
transforma.
Pássaros canoros, por sua vez,
são listados no conto em uma nota de pé de página. São as “qualidades de aves
do céu e passarinhim que pia e canta” (1965, p. 113). Entre tantos, as
“seriemas gritando e correndo, ou silenciosas” (1965, p. 112) e o canto
noturno dos socós. O vaqueiro Grivo, em sua extensa viagem na busca da essência
da poesia, abre seus ouvidos e nota com precisão “o daridare das cigarras”
(1965, p. 110), canto que se harmoniza com a grande sonoridade orquestral
ostentada pelas árvores encontradas no caminho de sua peregrinação. Nomeadas
uma a uma, as árvores são, como os melodiosos pássaros, reunidas por Guimarães
Rosa em uma longa e sonora nota de pé de página.
Uma pretensa leitura do Corpo
de Baile que leve em conta aspectos de sua musicalidade pode dar a
dividi-lo em movimentos e interpretá-lo a partir de seus ritmos e andamentos
diversos. Na obra até é possível, por um esforço de analogias, reconhecer
metaforicamente uma estrutura semelhante às peças musicais constituídas ao
longo da história da música ocidental, como sonatas, fugas e mesmo sinfonias.
No caso específico do "Cara-de-Bronze", sua construção polimórfica tem
contornos de uma ópera moderna, onde se misturam diversos elementos de
composição, inclusive teatrais e cinematográficos.
Já em "A estória de Lélio e
Lina", além dos diálogos dos personagens e das cantigas do
violeiro e cantador Pernambo, os sons mais presentes ao longo da narrativa são
os dos animais, principalmente o rumorejar melodioso dos pássaros. São muitos
os exemplos:
"(...) o curiango cantava, mais
cedo e mais rouco, como na entrada-das-águas ele gosta de cantar: – Amanhã
eu vou... Amanhã eu vou... E trovejava repetido, no longe da serra do
Soldãe" (1965, p. 134);
"A animalada era sã de mansa: compreendiam espertamente os grandes sons em a, e alguns já aplaudiam pés no chão, querendo vir ao curral" (1965, p. 142);
"Passarinhos em desarripio cantavam nas moitas e árvores" (1965, p. 143);
"(...) as araras mandavam e ralhavam, onde queriam, toda a parte" (1965, p. 145);
"Um cachorro latia, com sotaque humano. Passarinho cantava, o canto de chama: no que diz, desdiz..." (p. 178);
"(...) só se ouvia o pio dos sabiás-de-peito-alaranjado" (1965, p. 194);
"(...) faltava nada para as saracuras cantarem. Os passarinhos refinavam. Com esses mil gritos, as maitacas, as araras, os papagaios se cruzavam" (1965, p. 245).
"A animalada era sã de mansa: compreendiam espertamente os grandes sons em a, e alguns já aplaudiam pés no chão, querendo vir ao curral" (1965, p. 142);
"Passarinhos em desarripio cantavam nas moitas e árvores" (1965, p. 143);
"(...) as araras mandavam e ralhavam, onde queriam, toda a parte" (1965, p. 145);
"Um cachorro latia, com sotaque humano. Passarinho cantava, o canto de chama: no que diz, desdiz..." (p. 178);
"(...) só se ouvia o pio dos sabiás-de-peito-alaranjado" (1965, p. 194);
"(...) faltava nada para as saracuras cantarem. Os passarinhos refinavam. Com esses mil gritos, as maitacas, as araras, os papagaios se cruzavam" (1965, p. 245).
Os elementos sonoros podem ser
fartamente demonstrados na prosa poética de Guimarães Rosa. Há música nas suas
palavras. Mas o que é a música? Sua etimologia leva aos antigos gregos e seus
mitos. A música que vem das musas, deusas que se fazem nas palavras cantadas
dos poetas. Fundadores das palavras, os poetas músicos são os primeiros e
grandes nomeadores. Falar da obra de Guimarães Rosa é falar dos nomes e desse
poder de nomear.
Uma poética da musicalidade se dá
originariamente a partir do poder das musas. Na consagração dessas divindades, música e
poesia lançam o homem na concreta possibilidade de realizar-se na melodia e no
ritmo de uma harmonia cósmica. Com seu apostolado, restitui-se a fé arcaica e
pré-reflexiva de que a fonte de toda linguagem é musical. Vive-se no limiar de
experiências criativas e fabulosas que acontecem em sua
totalidade realizadora entre a terra e o céu, os mortais e os imortais. Um dos grandes
ensinamentos do Corpo de Baile é o acatamento festivo de que a
existência se faz de acordo com o fluir de uma ressonância vital.
Hans-Georg Gadamer
afirma que a experiência da festa é sempre para todos. Dessa forma, festejar se
determina pela reunião. Esse ato comemorativo
engloba certos costumes tradicionais que conduzem sempre a um retorno às
origens das ações coletivas. A ordem temporal das festas vem a
partir desse comungar de ações. O tempo abandona o caráter sucessivo que o
cinde e se torna cíclico. Ao livrar-se da tirania do indivíduo, o tempo de uma
festa se distingue radicalmente do que jaz na objetividade cotidiana. Deixa de
ser tanto o tempo de uma pobre monotonia quanto o de um preenchimento
excessivo, dimensões comumente aferidas pelos limites das individualidades. Gadamer mostra a identidade que há entre o corte temporal da festa e a
experiência da obra de arte. A celebração, “pela sua própria festividade, dá o
tempo, e com a sua festividade faz parar o tempo e leva-o a demorar-se – isto é
o festejar” (1985, p. 65). O mesmo acontece com o tempo das obras de
arte, tempo que, nas palavras do autor, “deixa-se descrever muito bem com a
experiência do ritmo” (1985, p. 63). Para o pensador, é essa a
experiência que unifica homem e obra de arte. Se, por um lado, há o ritmo
interno do homem em sua intimidade existencial, por outro haverá o ritmo da
obra. Demorar-se na obra é que
permitirá ao homem penetrar em seu universo particular, deixando-se conduzir numa
correspondência rítmica ao celebrá-la em seu próprio tempo.
Referências bibliográficas:
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Publicado no site Portal da Educação Pública, 2008.