Na conferência O que é isto – A Filosofia?, proferida em 1955, Martin Heidegger formulou que existe ao mesmo tempo uma aproximação originária e uma diferença fundamental entre poesia e pensamento, ambas pertencentes à tradições distintas
(...) "pelo fato de a poesia, em comparação com o pensamento, estar de modo bem diverso e privilegiado a serviço da linguagem, nosso encontro que medita sobre a Filosofia é necessariamente levado a discutir a relação entre pensar e poetar. Entre ambos, pensar e poetar, impera um oculto parentesco porque ambos, a serviço da linguagem, intervêm por ela e por ela se sacrificam. Entre ambos, entretanto, se abre um abismo, pois 'moram nas montanhas mais separadas' " (HEIDEGGER, 1979, p. 23).
O filósofo Gerd Bornhein, em um ensaio intitulado Filosofia e Poesia, fala de uma “verdade” filosófica contraposta às “verdades” da poesia. Explica Bornhein que num determinado momento histórico, entre os gregos, optou-se pela episteme em detrimento da doxa. Com isto, foi posta de lado a experiência cotidiana para que se pudesse trilhar com segurança a aventura teórica. Os caminhos da Filosofia então transformaram o logos em lógica. O discurso passou a ser medido pelo saber racional. Este fundamentou a epistemologia e as ciências, ditando os pressupostos básicos de toda certeza e correção. No entanto, outra voz, marginal, a da obra ensaística de Octavio Paz, percorreu caminhos diferentes e se fez ouvida nos poetas. Foi essa uma voz subterrânea e irresistível, a voz da poiesis, da passagem do não-ser para o ser, o dizer originário e originante. Uma voz que atuou na construção e na desconstrução de um mundo distinto. Um mundo de imagens, de alumbramentos e de visões, de admiração e de espanto diante das coisas e dos acontecimentos. Voz pronunciada pelos poetas, que em si mesma constitui-se no próprio acontecimento.
(...) "pelo fato de a poesia, em comparação com o pensamento, estar de modo bem diverso e privilegiado a serviço da linguagem, nosso encontro que medita sobre a Filosofia é necessariamente levado a discutir a relação entre pensar e poetar. Entre ambos, pensar e poetar, impera um oculto parentesco porque ambos, a serviço da linguagem, intervêm por ela e por ela se sacrificam. Entre ambos, entretanto, se abre um abismo, pois 'moram nas montanhas mais separadas' " (HEIDEGGER, 1979, p. 23).
O filósofo Gerd Bornhein, em um ensaio intitulado Filosofia e Poesia, fala de uma “verdade” filosófica contraposta às “verdades” da poesia. Explica Bornhein que num determinado momento histórico, entre os gregos, optou-se pela episteme em detrimento da doxa. Com isto, foi posta de lado a experiência cotidiana para que se pudesse trilhar com segurança a aventura teórica. Os caminhos da Filosofia então transformaram o logos em lógica. O discurso passou a ser medido pelo saber racional. Este fundamentou a epistemologia e as ciências, ditando os pressupostos básicos de toda certeza e correção. No entanto, outra voz, marginal, a da obra ensaística de Octavio Paz, percorreu caminhos diferentes e se fez ouvida nos poetas. Foi essa uma voz subterrânea e irresistível, a voz da poiesis, da passagem do não-ser para o ser, o dizer originário e originante. Uma voz que atuou na construção e na desconstrução de um mundo distinto. Um mundo de imagens, de alumbramentos e de visões, de admiração e de espanto diante das coisas e dos acontecimentos. Voz pronunciada pelos poetas, que em si mesma constitui-se no próprio acontecimento.
Portador dessa outra voz é Murilo Mendes. O poeta, nascido na cidade mineira de Juiz de Fora, em 1901, e falecido em Lisboa, em 1975, construiu em meio aos estertores do Século XX uma obra apaixonada e apaixonante, rica de imagens e questões. O seu primeiro livro, Poemas, publicado em 1930, foi logo recebido com louvor por Mário de Andrade. No artigo "A Poesia de 1930", Mário, alguns anos após o estardalhaço modernista, retratou o surgimento de quatro novos grandes poetas, todos eles adeptos da liberdade do verso: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Augusto Frederico Schmidt e Murilo Mendes. O escritor destacou em Murilo Mendes o que chamou de um “intercâmbio de todos os planos” (ANDRADE, 2002, p. 53), atuando como um princípio de composição na sua poesia. Mário de Andrade, ao identificar a poética de Murilo Mendes com o vigor revolucionário do Surrealismo francês, comentou “a leveza, a elasticidade, a naturalidade com que o poeta passa do plano do corriqueiro pro da alucinação e os confunde” (ANDRADE, 2002, p. 54). O próprio Manuel Bandeira, por sua vez, alguns anos depois, na sua Apresentação da Poesia Brasileira, chamou Murilo Mendes de “o mais completo, o mais estranho e seguramente o mais fecundo poeta” (BANDEIRA, 1997, p. 458) de sua geração.
Laís Corrêa de Araújo, estudiosa da obra de Murilo Mendes, publicou um Ensaio Crítico, onde apontou e nomeou três grandes fases na obra de Murilo Mendes. "O Homem se faz verbo" corresponde aos primeiros livros de Murilo Mendes; seguem-se "O Verbo se Consolida" e "Plenitude e Concreção do Verbo", esses concernentes a trabalhos posteriores do poeta. Nos deteremos aqui inicialmente apenas na primeira fase selecionada pela ensaísta. São férteis neste primeiro momento de Murilo Mendes os caminhos originários de um diálogo entre poesia e pensamento, interesse de nosso trabalho. Laís Corrêa de Araújo escreveu que no livro de estréia de Murilo Mendes há
"um microcosmo do universo lingüístico do poeta, que viria dimensionar-se em sua obra posterior, através da abertura de expressão, a qual se permitiria todas as liberdades do ritmo amplo, da desarticulação do vocabulário, da violação da sintaxe, enfim, de um processo de dicção que logo se destacaria, pelo caráter individualizador e mesmo insólito, no quadro da poesia brasileira" (ARAÚJO, 2000, p. 70).
Notamos que o poeta desde cedo deixa em evidência sua postura diante do que é a força motriz de sua poesia, a que reside na luta incessante entre as forças opostas. O poema "Cantiga de Malazarte", publicado em Poemas, rico em imagens contrastantes, é uma espécie de ideário do caráter cosmogônico de sua poesia:
Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro o cheiro dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que assiste a criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo,
nada me fixa nos caminhos do mundo
(MENDES, 1979, p. 35).
Escrito na primeira pessoa, o poema é afirmativo na descrição de seus próprios caminhos. As sensações através dos sentidos – a visão, o tato e o olfato – são trazidas pela memória, a mãe das musas na Grécia antiga, matéria-prima do discurso poético. É evidenciada nesses versos de Murilo Mendes a importância de todas as coisas para a poesia e o reconhecimento de uma atitude livre diante dos destinos do mundo.
A cantiga evoca Malazarte, ou Pedro Malazarte, o herói folclórico oriundo de Portugal. Pedro Malazarte, ou Pedro Malas Artes, na verdade eram dois. Um, astuto e ardiloso, demoníaco, e o outro, mais popular nas terras lusas, tolo, trapalhão e desastrado. Diz Luis da Câmara Cascudo, em Vaqueiros e Cantadores, que: “Para o Brasil não emigrou Malas Artes nessa acepção desavisada e pulha. O nosso é um Malazarte vivo, inquieto, ávido de aventuras, inesgotável de recursos e de tramas, vencedor infalível de todos e de tudo” (CASCUDO, 1984, p. 233). O Malazarte de Murilo Mendes parece ter tanto as características do português confuso e desajeitado, das más artes, quanto as daquele que aportou no Brasil, aventureiro, destemido e sagaz. Malazarte, que é um personagem ambivalente, recusa fixar-se em definições imutáveis.
Murilo Mendes, no seu Ideário Crítico, afirmou: “Um grande artista deve conciliar os opostos” (MENDES apud ARAÚJO, 2000, p. 336). Heráclito, cujo pensamento evoca essa questão, sentencia no fragmento nº 8, traduzido por Emmanuel Carneiro Leão: “O contrário em tensão é convergente; da divergência dos contrários a mais bela harmonia” (HERÁCLITO, 1993, p. 61). No primeiro livro de Murilo Mendes há um poema que trata dessa dualidade tensionada, a mesma que acompanhou praticamente quase toda a sua obra. Chama-se "Os dois lados":
Deste lado tem meu corpo
tem o sonho
tem a minha namorada na janela
tem as ruas gritando de luzes e movimentos
tem meu amor tão lento
tem o mundo batendo na minha memória
tem o caminho do trabalho.
De outro lado tem outras vidas vivendo da minha vida
tem pensamentos sérios me esperando na sala de visitas
tem minha noiva definitiva me esperando com flores na mão
tem a morte, as colunas da ordem e da desordem
(MENDES, 1979, p. 36).
Em "Os dois lados", Murilo Mendes parte do corpo do homem que sonha o concreto e o trabalha em seus versos em oposição não só aos outros que o recebem cotidianamente como também à morte, a noiva definitiva, eternamente feminina, que o receberá mais adiante. Diante dessa perspectiva dual de vida e morte é que se erguem “as colunas da ordem e da desordem” que irão sustentar o corpo vivo de sua poesia.
O equilíbrio dos versos de Murilo Mendes, oscilando entre a entrega aos sentidos da terra e a necessidade de uma redenção espiritual, se faz numa harmonia dissonante que só a luta entre potências opostas pode proporcionar. Outro fragmento de Heráclito, o nº 60, diz: “Caminho, para cima, para baixo, um e o mesmo” (HERÁCLITO, 1993, p. 75). A poesia de Murilo Mendes aponta para o mesmo ao caminhar em direções opostas. Concomitantemente à impulsão ascética, dirigida à pureza das formas eternas, está o movimento que só a vida sendo vivida pode determinar. Nos versos do poeta, as coisas próprias da existência, em suas imperfeições e inconstâncias, se opõem ao anseio de uma ordem divina. Murilo Mendes elege as representações cristãs para dar vazão à esperança de se fixar em algo que desafie o tempo. A eternidade, que habita seus poemas, é alcançada mediante ao exercício constante da conversão cristã. O oponente mais fecundo dessa perfeição atemporal regida pelo eterno imutável é o caos. Será o caos que o crítico Alfredo Bosi viu surgir em constante oposição às forças eróticas e os impulsos de liberdade na sua obra? Ou mesmo um caos nietzscheano, propiciador de toda criação, que em Assim Falou Zaratustra é capaz de dar a luz a uma estrela dançante?
"O homem, a luta e a eternidade", também de Poemas, apresenta mais uma vez a luta inadiável de potências opostas:
Adivinho nos planos da consciência
dois guerreiros lutando com esferas e pensamentos
mundo de planeta em fogo
vertigem
desequilíbrio de forças,
matéria em convulsão ardendo pra se definir.
Alma que não conhece todas as suas possibilidades,
o mundo ainda é pequeno pra te encher.
Abala as colunas da realidade,
desperta os ritmos que estão dormindo.
A luta! Olha os guerreiros se esfacelando!
Um dia a morte devolverá teu corpo,
minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins
meus olhos verão a luz da perfeição
e não haverá mais tempo
(MENDES, 1979, p. 38).
A alma, em toda a sua grandeza, se choca com os desígnios terrenos do homem no plano limitado do tempo. A morte surge como a planificação pacífica e a resolução final desse embate. O poeta, ao assumir sua função social, é encenado tal qual um adivinho, isto é, aquele que se antecipa ao fluxo dos acontecimentos. No caso do poema muriliano, tal antecipação ocorre frente ao conhecimento e à reflexão metafísica. Sócrates, no diálogo Fedro, de Platão, ao identificar a loucura – ou manía – com Eros, enuncia quatro tipos de loucura divina. A primeira delas é justamente a relativa à arte mântica, isto é, o dom da adivinhação, presidido pelo deus Apolo. As outras são: a iniciação nos mistérios, de Dioniso; a poética, das Musas; e, finalmente, a amorosa, de Eros e Afrodite. Todas essas manifestações encontram-se radicalmente imbricadas nas imagens transfiguradas dos versos de Murilo Mendes.
O poeta, em "O homem, a luta e a eternidade", se refere aos "planos da consciência", que são feitos de “esferas e pensamentos” elevados, remetendo ao jogo das perfeições pitagórico-platônicas. A resultante é uma projeção imagética que luta ardentemente com as forças trágicas da vida. A eternidade se apóia numa harmonia celestial, como a que é descrita por Platão no diálogo A República. A lei divina a reger os destinos humanos, colocando-os sob a égide de um julgamento superior. O esquecimento das almas como condição para o re-encarnado, assumindo o movimento que se estende para além da temporalidade.
Murilo Mendes, em "Solidariedade", publicado no livro O Visionário (1941), perfila algumas importantes filiações de sua poesia. O poeta se investe das forças opostas que se encontram solenemente na profanação:
Sou ligado pela herança do espírito e do sange
Ao mártir, ao assassino, ao anarquista.
Sou ligado
Aos casais na terra e no ar,
Ao vendeiro da esquina,
Ao padre, ao mendigo, à mulher da vida,
Ao mecânico, ao poeta, ao soldado,
Ao santo e ao demônio,
Construídos à minha imagem e semelhança
(MENDES, 1979, p. 62).
No poema são percebidas as identidades e diferenças que conjugam a contradição fundamental entre as imagens da santidade e as subtrações demoníacas. Ambas as forças a agirem solidariamente numa oposição que se dá ora pacífica ora sangrenta. Tais poderes têm uma potência impulsionadora que irrompe violentamente nos versos. A trágica herança corresponde à união primordial de céu (espírito) e terra (sangue), que desde tempos imemoriais é matriz geradora de todo sentido poético.
No livro Tempo e Eternidade (1935), em co-autoria com Jorge de Lima, Murilo Mendes radicaliza sua busca ao absoluto. A eternidade é assumida integralmente em versos como os de Filiação:
Eu sou da raça do Eterno,
Fui criado no princípio
E desdobrado em muitas gerações
Através do espaço e do tempo.
Sinto-me acima das bandeiras,
Tropeçando em cabeças de chefes.
Caminho no mar, na terra e no ar.
Eu sou da raça do Eterno,
Do amor que unirá todos os homens:
Vinde a mim, órfãos da poesia,
Choremos sôbre o mundo mutilado
(MENDES, 1959, ps. 123 e 124).
O poema conduz seu discurso ao princípio das coisas, lá onde pode ser arrancada a voz primordial da poesia. Realiza o tempo mítico, originário, que desafia o contingente e promove o encontro com a unidade. Encontro afirmativo e também doloroso. O “mundo mutilado” é o mundo dividido, circunstancial, das bandeiras e dos chefes. O mundo assombroso e assombrado é o mesmo do momento histórico do poema, situado num contexto de duas grandes guerras, pelas quais chorava a eternidade. A paz haveria que nascer da consciência ao percorrer os caminhos sangrentos. Em "Comunicantes", outro poema de Tempo e Eternidade, há a confissão de uma filiação ao possível projeto poético de uma eternidade cristã:
Eu amo minha família sobrenatural
Aquela que não herdei
Aquele que ama o Eterno.
São poetas, são musas, são iluminados
Que vivem mirando os seus fins transcendentes.
O mundo, minha família sobrenatural não te possuiu.
Minha angústia vive nela e com ela.
E eu formarei poetas no futuro
À sua imagem e semelhança.
E todos ajuntando novos membros ao corpo
De que o Cristo Jesus é a cabeça
Irradiarão as palavras do Eterno
(MENDES, 1979, p. 74).
A suspensão do tempo e do espaço na obra de Murilo Mendes, apoiada na idéia da eternidade, corresponde às idéias do pintor Ismael Nery, grande amigo e mentor do poeta. Nery, cuja pintura dialogou com as idéias surrealistas então em voga na Europa, formulou uma filosofia de forte influência cristã que Murilo aderiu. Sobre o pensamento de Ismael Nery, chamado de “essencialista”, fundamental para a conversão de Mendes, escreveu Manuel Bandeira:
"Segundo Ismael Nery, o homem deve sempre procurar eliminar os supérfluos que prejudicam sempre a essência a conhecer: a essência do homem e das coisas só pode ser atingida mediante a abstração do espaço e do tempo, pois a localização num momento contraria uma das condições da vida, que é o movimento. Um essencialista deve colocar-se na vida como se fosse o centro dela para que possa ter a perfeita relação das idéias e dos fatos" (BANDEIRA, 1997, p. 459).
O cristianismo de Murilo Mendes não comunga com os dogmas seculares da Igreja Católica. Prefere corresponder a uma visão do absoluto capaz de consagrar eventos cotidianos e prosaicos. Aproxima-se da mística da Idade Média, imortalizada na obra de Mestre Eckhart. Mística que buscou incessantemente alcançar a união divina nas pequenas e nas grandes coisas. Assim diz o "Poema Essencialista", que fora dedicado ao escritor e dramaturgo Aníbal Machado:
A madrugada de amor do primeiro homem
O retrato da minha mãe com um ano de idade
O filme descritivo do meu nascimento
A tarde da morte da última mulher
O desabamento das montanhas, o estancar dos rios
O descerrar das cortinas da eternidade
O encontro com Eva penteando os cabelos
O apêrto de mão aos meus ascendentes
O fim da idéia de propriedade, carne e tempo
E a permanência no absoluto e no imutável
(MENDES, 1959, p. 136).
O poema, ao falar sobre o fim da propriedade, pode ser interpretado simultaneamente como comunista e cristão. Aponta para uma metafísica que tende ao absoluto. Crê ao mesmo tempo na promessa do fim do sofrimento humano através da justiça social e na redenção pela boa morte.
O título do livro Os Quatro Elementos (1938) traz à luz o pensador trágico Empédocles. Foi ele o primeiro a formular a concepção da natureza que se transforma oscilando entre quatro elementos diversos: terra, água, ar e fogo. Empédocles, relatado por Nietzsche em A Filosofia Trágica dos Gregos, é um reformador de influência pitagórica que à sua época pregou uma purificação através de um retorno à unidade, procurando curar os homens através do amor à natureza e da compaixão diante de um mundo de tormento e contradição. Profeta espiritual errante que quis a abolição da propriedade numa sociedade que valorizasse acima de tudo o amor fraternal, Empédocles, ao mesmo tempo crente nos deuses e nos homens, foi incompreendido e banido da polis pela sua dupla filiação.
Entre os opostos complementares mais contundentes nos versos do poeta estarão sempre as imagens da vida e da morte. Como as que aparecem nas "Antielegias n. 1, 2 e 3", publicadas em Os Quatro Elementos, onde o poeta se vê diante do dilema trágico da mortalidade e o funde pateticamente com os sentidos da vida.
Antielegia n. 1
O dia e a noite são ligados pelo prazer
E pelas ondas do ar
A vida e a morte são ligadas pelas flores
E pelos túneis futuros
Deus e o demônio são ligados pelo homem
(MENDES, 1959, p. 142).
Antielegia n. 2
Olho para tudo
Com o olhar ambíguo
De quem vai se despedir do mundo
Eis a última curva o último filme.
Eis o último gole d’água a última mulher
Eis o último fox-blue
Já estou sentindo
As violetas crescerem sobre mim.
(MENDES, 1959, p. 144).
Antielegia n. 3
As magnólias avançam com um ímpeto inesperado
São ombros nus é o luar o vidro de veneno
Deve haver um homicídio uma pergunta à esfinge
Um ultimato ao sonho um arroubo do universo,
À meia-noite em ponto bate o mar na varanda
É impossível deixar de acontecer alguma coisa
Há uma espera vã – raptaram as nebulosas.
(MENDES, 1959, ps. 157 e 158).
A imagem da morte nas "Antielegias" está no sentido das flores que crescem e avançam. Se o caminho do espírito está nas alturas e na eternidade, o caminho do corpo do homem é a terra. A angústia assumida nos versos do poeta talvez seja a mesma de Empédocles diante do seu próprio fim e do fim em si mesmo. Há mortes em vida e é preciso poeticamente se entregar às metamorfoses. Morrer em vida é necessário para viver de novo e cada vez mais, aceitando intensamente a condição de ser mortal. Pois, como dizem os versos heraclíticos de "Reflexão n. 1":
Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
E a circulação e o movimento infinito.
Ainda não estamos habituados com o mundo
Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.
BIBLIOGRAFIA
ANAXIMANDRO, PARMÊNIDES E HERÁCLITO. Os Pensadores Originários. Petrópolis: Vozes, 1990.
ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira. Belo Horizonte: Livraria Itatiaia, 2002.
ARAÚJO, Laís Corrêa de. Murilo Mendes. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000.
BANDEIRA, Manuel. Seleta de Prosa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997.
CASCUDO, Luis da Câmara. Vaqueiros e Cantadores. Belo Horizonte: Livraria Itatiaia, 1984.
HEIDEGGER, Martin. O que é isto – A Filosofia? In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1994.
MENDES, Murilo. Poesias (1925-1955). Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1959.
---------------------- Antologia – O Menino Experimental. São Paulo: Summus Editorial, 1979.
BIBLIOGRAFIA
ANAXIMANDRO, PARMÊNIDES E HERÁCLITO. Os Pensadores Originários. Petrópolis: Vozes, 1990.
ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira. Belo Horizonte: Livraria Itatiaia, 2002.
ARAÚJO, Laís Corrêa de. Murilo Mendes. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000.
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CASCUDO, Luis da Câmara. Vaqueiros e Cantadores. Belo Horizonte: Livraria Itatiaia, 1984.
HEIDEGGER, Martin. O que é isto – A Filosofia? In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1994.
MENDES, Murilo. Poesias (1925-1955). Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1959.
---------------------- Antologia – O Menino Experimental. São Paulo: Summus Editorial, 1979.
Publicado na Eutomia - Revista On-line de Literatura e Linguística da UFPE - em 2008.
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